O Que Nós Vemos Não É Tudo

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Os seres humanos desenvolveram civilizações de forma notável, alcançando o título de “espécie mais inteligente”. No entanto, temos uma grande fraqueza que ofusca essa posição de “superioridade” no planeta. Essa grande fraqueza é o fato de compreendermos o mundo por meio de nossos órgãos sensoriais imperfeitos. Em outras palavras, o nível da nossa percepção da realidade é determinado pelos nossos sentidos, só conseguimos perceber o mundo até onde nossos órgãos sensoriais nos permitem compreender.

Compreendemos o mundo por meio dos nossos cinco sentidos: Visão, audição, olfato, paladar e tato. Entre eles, como diz o ditado, “É melhor ver uma vez do que ouvir mil vezes”, as pessoas confiam mais na visão do que em qualquer outro sentido. Isso acontece porque a visão desempenha um papel importante na percepção dos objetos. O órgão responsável pela visão coleta uma grande quantidade de informações e as envia ao cérebro. No entanto, a visão humana possui mais limitações do que imaginamos.

Quanto nós podemos confiar no que vemos?

O olho humano é muito sensível à distância e ao tamanho de um objeto. Não conseguimos ver objetos que estão a uma certa distância, e também não conseguimos perceber coisas menores do que um determinado tamanho. Entre essas duas, as coisas que conseguimos ver e as que não conseguimos ver, qual vocês acham que é maior em número?

Células vistas por um microscópio óptico
Imagem do momento de um balão de água estourando, capturada em alta velocidade
ⓒ Luke Peterson / flickr.com / CC-BY-2.0

Nossas mãos carregam dezenas de milhares de germes. No entanto, não conseguimos vê-los, por mais que observemos de perto. Isso acontece porque o menor tamanho que conseguimos enxergar a olho nu é de aproximadamente um milímetro.

Os seres humanos inventaram o microscópio para enxergar coisas minúsculas e invisíveis a olho nu. O exemplo mais comum é o microscópio óptico, que utiliza luz visível e um sistema composto por lente objetiva e ocular para ampliar as imagens de pequenas amostras. Como o microscópio óptico emprega luz visível, ele não consegue observar objetos menores que o comprimento de onda dessa luz. Dessa forma, seu poder de ampliação é limitado a cerca de 2.000 vezes, pois sua resolução máxima é de aproximadamente 0,2 micrômetro (μm). Isso é suficiente apenas para visualizar objetos do tamanho de uma célula.

O microscópio eletrônico foi desenvolvido para superar as limitações do microscópio óptico. Ele possui um poder de resolução1 muito maior, pois utiliza elétrons com comprimentos de onda muito mais curtos. Microrganismos como vírus, ainda menores que as células, podem ser observados no microscópio eletrônico, que é capaz de ampliar objetos milhões de vezes e determinar a posição de átomos em materiais. No entanto, o mundo submicroscópico, aquele menor do que os átomos, continua invisível e desconhecido; sua existência é apenas presumida.

1. Poder de resolução: A menor distância entre dois pontos que pode ser distinguida ao usar um microscópio.

Os mosquitos, que nos incomodam nas noites quentes de verão, aparecem e desaparecem rapidamente. Isso ocorre porque conseguem bater as asas cerca de 600 vezes por segundo. Não conseguimos ver o bater de suas asas. Então, o que somos capazes de enxergar em um segundo e com que grau de detalhe conseguimos observar? Também não conseguimos ver a beleza das gotas de água em queda. Em vez disso, câmeras de vídeo de alta velocidade registram os instantes que o olho humano não consegue captar. Isso sugere que inúmeras coisas quase imperceptíveis para nós estão acontecendo ao nosso redor neste exato momento.

Esta imagem composta da Nebulosa do Caranguejo tirada pelos telescópios espaciais Chandra (raios X), Hubble (luz visível) e Spitzer (infravermelho). A imagem em raios X do Chandra aparece em azul, a imagem óptica do Telescópio Espacial Hubble em vermelho e amarelo, e a imagem infravermelha do Telescópio Espacial Spitzer em roxo.
NASA / Wikimedia Commons / Domínio público

Não podemos saber como o universo realmente parece.

Observe as estrelas cintilando no céu noturno. Entre os inúmeros astros, conseguimos ver apenas alguns a olho nu. O olho humano só percebe estrelas com magnitude aparente igual ou inferior a seis; mesmo numa noite límpida, não mais que 2.000 delas ficam visíveis a olho nu. Embora incontáveis estrelas iluminem o firmamento, a maioria é tênue demais para ser percebida.

O telescópio foi inventado para superar essas imperfeições do olho humano. O tipo mais comum é o telescópio óptico, que utiliza lentes ou espelhos para coletar a luz de objetos celestes distantes, permitindo-nos observá-los. O telescópio construído por Galileu em 1609 tinha um campo de visão muito estreito, aproximadamente metade do diâmetro aparente da Lua, de modo que ele não conseguia ver toda a superfície lunar de uma só vez. Hoje, porém, já existem grandes telescópios ópticos com espelhos de oito a dez metros de diâmetro, capazes de captar até mesmo a tênue luz de corpos celestes situados a mais de dez bilhões de anos-luz. Quando a luz recolhida por esses telescópios é acumulada por longos períodos, conseguimos fotografar belíssimos objetos astronômicos invisíveis a olho nu. A invenção do telescópio permitiu que a humanidade enxergasse cada vez mais longe.

O espaço parece escuro e vazio quando observado por um telescópio óptico. No entanto, ao analisarmos imagens do mesmo local capturadas em diversos comprimentos de onda do espectro eletromagnético, percebemos novamente as limitações da nossa visão. Na região que aos olhos humanos parece negra e vazia, existem na verdade incontáveis materiais e corpos celestes.

As imagens (1, 2, 3) do centro da nossa galáxia, a Via Láctea, foram captadas pelo Telescópio Espacial Spitzer (infravermelho), pelo Telescópio Espacial Hubble (luz visível) e pelo Observatório de Raios X Chandra (raios X), e as três foram combinadas na composição (4).
NASA / Wikimedia Commons / Domínio público

Até o início do século XX, as observações astronômicas restringiam-se ao espectro da luz visível. Hoje, porém, já conseguimos detectar também ondas eletromagnéticas invisíveis. Capturando e analisando diversos tipos de radiação, passamos a observar fenômenos no espaço que antes permaneciam ocultos. Até que Karl Jansky, físico e engenheiro de rádio norte-americano, descobriu ondas de rádio provenientes do espaço, acreditava-se que não existiam outros objetos além dos observáveis com telescópios ópticos. Contudo, o universo está repleto de corpos invisíveis ao olho humano.

Enquanto o telescópio óptico coleta a luz visível proveniente de objetos celestes, o radiotelescópio detecta ondas de rádio vindas do espaço, algo que o telescópio óptico não consegue captar. As imagens de ondas de rádio que observamos são geradas por computador com base nas informações captadas pela antena por meio dessas ondas. A maioria das ondas de rádio detectáveis na Terra permite-nos observar fenômenos cujos sinais se originam em átomos e moléculas.

A atmosfera não filtra completamente a radiação eletromagnética. A própria luz visível se desvia ao atravessar a atmosfera, o que provoca imagens distorcidas de objetos astronômicos. Todos os comprimentos de onda, exceto a luz visível e as ondas de rádio, são absorvidos ou refletidos pela atmosfera terrestre. Por isso, para observar outras faixas de radiação eletromagnética, é preciso lançar telescópios ao espaço. O Telescópio Espacial Hubble (HST) foi o primeiro grande telescópio óptico colocado em órbita e observa principalmente luz ultravioleta e luz visível. Com telescópios espaciais, podemos testemunhar o nascimento de estrelas não só na luz visível, mas também na radiação infravermelha emitida por protoestrelas, bem como observar galáxias ativas que formam estrelas na luz ultravioleta. Além disso, os raios X e os raios gama, que possuem energias muito elevadas, possibilitaram a observação de fenômenos violentos do universo, como explosões de supernovas.

Quando olhamos para as estrelas, estamos, na verdade, observando o passado. O universo é tão vasto que nem mesmo a luz, que viaja a uma velocidade prodigiosa, é rápida o bastante para nos revelar todo o espaço. Se uma estrela visível da Terra está a 100 milhões de anos-luz de distância, isso significa que sua luz foi emitida há 100 milhões de anos, e talvez essa estrela já nem exista mais. De acordo com a ciência moderna, o raio do universo observável é de cerca de 13,7 bilhões de anos-luz. Estrelas e galáxias continuam nascendo e morrendo, mas só poderemos observá-las num futuro longínquo. O universo encontra-se distante demais para ser visto plenamente; ele escapa às escalas humanas de velocidade e de distância.

Desde os tempos antigos, a humanidade anseia pelo mundo invisível. Agora que a ciência avançou, resta-nos perguntar: será que o mundo que nossos olhos enxergam é realmente tudo o que existe? Hoje, conseguimos observar o universo que outrora era distante demais, o mundo que era pequeno demais e os instantes que eram rápidos demais para serem vistos. Então, podemos afirmar que o mundo que vemos por meio da ciência é tudo o que há?

Assim como o sapo no fundo do poço nada sabe do mundo exterior e como a ninfa da libélula, ainda submersa, ignora que um dia voará pelo céu com asas transparentes, talvez também vivamos presos a ideias fixas. Há muito mais coisas que não podemos ver do que aquelas que enxergamos com nossos olhos imperfeitos. Por isso, é mera presunção humana acreditar somente no que é visível. Precisamos crer que o mundo que não vemos existe de fato. Essa é a postura que devemos adotar neste tempo em que a ciência tanto avançou.